quarta-feira, 28 de março de 2012

Nutricionista francês quer divulgar dieta polêmica no Brasil

Alvo de críticas na França, Pierre Dukan busca agora mercado brasileiro


O nutricionista francês Pierre Dukan, autor de bestsellers sobre dietas, disse estar surpreso com o problema de excesso de peso no Brasil, sobretudo entre os jovens, e sugere moderação no consumo de feijão com arroz.

"O feijão com arroz faz bem para a saúde quando se tem uma atividade física importante. Mas mesmo quem não tem problema de peso deve reduzir um pouco o consumo", disse Dukan, autor do bestseller Eu Não Consigo Emagrecer, traduzido em 14 línguas, em entrevista à BBC Brasil.
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"Já para as pessoas sedentárias, esses alimentos resultam em acúmulo de calorias", afirma o nutricionista, que visitou São Paulo no início deste mês.

Ele sugere que as pessoas com problemas de peso deveriam evitar essa combinação básica da alimentação brasileira.

Dukan - que desenvolveu, em 2002, a famosa dieta baseada apenas no consumo de proteínas na fase inicial - já escreveu cerca de 20 livros e afirma ter vendido 9,5 milhões de exemplares em dezenas de países, sendo quase a metade na França.
Presença no Brasil

Após ter conquistado o mercado editorial francês em 2010, ocupando os dois primeiros lugares da lista de livros mais vendidos do país (todas as categorias literárias reunidas), Dukan se prepara para reforçar sua presença no Brasil.

Em maio, diz ele, será lançado no Brasil um livro ilustrado de receitas que acaba de sair na França, e também um site com "treinador de emagrecimento online", que prevê uma dieta personalizada e acompanhamento diário (o site já existe no Brasil, mas esse serviço ainda não está disponível).

A partir de junho chegará ao mercado brasileiro sua linha de produtos alimentícios, como biscoitos, barras de cereais e farelo de aveia, já vendidos na França.
Críticas

O problema da obesidade de jovens vem aumentando na França e preocupa as autoridades, mas ele diz achar que no Brasil o fenômeno seria mais grave.

"Fiquei com a impressão que os jovens brasileiros comem bastante feijão, arroz e feculentos (como a batata) e também consomem mais açúcar do que os adolescentes na França", diz ele.

Dukan afirma também ter ficado "surpreso" com o excesso de peso dos jovens no Brasil, "que parecem mais gordos do que seus pais".

A "dieta Dukan" seria seguida por celebridades como a duquesa de Cambridge, Kate Middleton, da Grã-Bretanha, a cantora Jennifer Lopez ou ainda o candidato socialista às eleições presidenciais francesas, François Hollande, cuja nova silhueta foi amplamente comentada no país.

Mas o regime - que começa com uma "fase de ataque" para perder alguns quilos rapidamente com o consumo apenas de proteínas durante um período - também é alvo de inúmeras críticas.

"Minha proposta foi deformada. Mas atingi meu objetivo de chamar a atenção para o problema da obesidade dos jovens na França"

Especialistas franceses têm afirmado que a dieta pode causar sérios riscos à saúde, como aumento do colesterol e problemas cardiovasculares.

A dieta não é baseada na tradicional contagem de calorias e defende a ideia de que as pessoas podem comer o quanto quiserem, embora devam consumir apenas os alimentos definidos para cada etapa.

Na segunda fase da dieta, as pessoas podem passar a comer também legumes e, na terceira, são incluídas frutas e pequenas porções de pães e massas integrais.

Um estudo da agência francesa para a Segurança Alimentar afirma que quem faz a dieta de Dukan consome mais do que o dobro da quantidade diária de sal recomendada pela Organização Mundial da Saúde.

Segundo o estudo, esse regime também resulta na carência de vitamina C e de fibras.
‘Dogma’ e popularidade

Dukan rebate as críticas afirmando que as dietas baseadas na ingestão de menos calorias do que a média diária se tornaram "um dogma" e que ele é contestado por não seguir essa receita.

"Meus livros têm grande popularidade e isso incomoda muita gente"

"Meu método recomenda o consumo apenas de proteínas e legumes por um período curto. Eles são o fundamento da natureza humana. No início, o homem só se alimentava basicamente dessa forma".

O nutricionista diz ainda que é preferível sofrer o "inconveniente" de uma deficiência temporária, de vitaminas, por exemplo, do que ter doenças bem mais graves ligadas à obesidade.

Após as críticas, Dukan fez adaptações à dieta, que foi reforçada em relação aos legumes. Ele argumenta que o método "está em constante evolução há anos".
Acusações

No início do ano, ele foi alvo de outra grande polêmica na França. Em seu livro "Carta Aberta ao Presidente", publicado em janeiro, Dukan defende a ideia de que os estudantes que tenham mantido seu peso em uma determinada faixa entre os 15 e 18 anos de idade ganhem pontos na prova chamada "Bac", uma espécie de vestibular na França.

A sugestão foi interpretada como uma forma de discriminação contra as pessoas com excesso de peso, suscitando inúmeras críticas.

"Minha proposta foi deformada. Mas atingi meu objetivo de chamar a atenção para o problema da obesidade dos jovens na França", disse à BBC Brasil.

Nesta semana, o nutricionista foi alvo de duas queixas prestadas pela Ordem dos Médicos da França e pela ordem parisiense da categoria, que alegam que Dukan não respeitaria os códigos éticos da profissão.

A organização afirma que "um médico deve pensar na repercussão de seus comentários" e diz que a proposta feita no livro não leva em conta os problemas de jovens obesos ou anoréxicos.

A Ordem dos Médicos também acusa Dukan de fazer promoção pessoal e utilizar a medicina com fins "comerciais".

Na quarta-feira, ele afirmou ser "perseguido" e disse também já ter enviado à Ordem dos Médicos, há três meses, sua decisão de encerrar o atendimento em seu consultório parisiense para se dedicar às suas outras atividades.

"Agora sou um médico aposentado. Estou livre", declarou.

O nutricionista que diz comer principalmente salmão, tomate, chicória, erva-doce, nozes e iogurte, continuará fazendo palestras pelo mundo e reforçando suas atividades em inúmeros países, como o Brasil.

Daniela Fernandes
Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/120328_nutricionista_pierre_dukan_df.shtml

domingo, 25 de março de 2012

Cozinha - texto de Rubem Alves

COZINHA

Qual é o lugar mais importante da sua casa? Eu acho que essa é uma boa pergunta para início de uma sessão de psicanálise. Porque quando a gente revela qual é o lugar mais importante da casa, a gente revela também o lugar preferido da alma. Nas Minas Gerais onde nasci o lugar mais importante era a cozinha. Não era o mais chique e nem o mais arrumado. Lugar chique e arrumado era a sala de visitas, com bibelôs, retratos ovais nas paredes, espelhos e tapetes no chão. Na sala de visitas as crianças se comportavam bem, era só sorrisos e todos usavam máscaras. Na cozinha era diferente: a gente era a gente mesmo, fogo, fome e alegria.

"Seria tão bom, como já foi...", diz a Adélia. A alma mineira vive de saudade. Tenho saudade do que já foi, as velhas cozinhas de Minas, com seus fogões de lenha, cascas de laranja secas, penduradas, para acender o fogo, bule de café sobre a chapa, lenha crepitando no fogo, o cheiro bom da fumaça, rostos vermelhos. Minha alma tem saudades dessas cozinhas antigas...

Fogo de fogão de lenha é diferente de todos os demais fogos. Veja o fogo de uma vela acesa sobre uma mesa. É fogo fácil. Basta encostar um fósforo aceso no pavio da vela para que ela se acenda. Não é preciso nem arte nem ciência. Até uma criança sabe. Só precisa um cuidado: deixar fechadas as janelas para que um vento súbito não apague a chama. O fogo do fogão é outra coisa. Bachelard notou a diferença: "A vela queima só. Não precisa de auxílio.




Cozinha



A chama solitária tem uma personalidade onírica diferente da do fogo na lareira. O homem, diante de um fogo prolixo pode ajudar a lenha a queimar, coloca uma acha suplementar no tempo devido. O homem que sabe se aquecer mantém uma atitude de Prometeu. Daí seu orgulho de atiçador perfeito..." Fogo de lareira é igual ao fogo do fogão de lenha. Antigamente não havia lareiras em nossas casas. O que havia era o fogo do fogão de lenha que era, a um tempo, fogo de lareira e fogo de cozinhar.

As pessoas da cidade, que só conhecem a chama dos fogões a gás, ignoram a arte que está por detrás de um fogão de lenha aceso. Se os paus grossos, os paus finos e os gravetos não forem colocados de forma certa, o fogo não pega. Isso exige ciência. E depois de aceso o fogo é preciso estar atento. É preciso colocar a acha suplementar, do tamanho certo, no lugar certo. Quem acende o fogo do fogão de lenha tem de ser também um atiçador.

O fogão de lenha nos faz voltar "às residências de outrora, as residências abandonadas mas que são, em nossos devaneios, fielmente habitadas" (Bachelard). Exupèry, no tempo em que os pilotos só podiam se orientar pelos fogos dos céus e os fogos da terra, conta de sua emoção solitária no céu escuro, ao vislumbrar, no meio da escuridão da terra, pequenas luzes: em algum lugar o fogo estava aceso e pessoas se aqueciam ao seu redor.

Já se disse que o homem surgiu quando a primeira canção foi cantada. Mas eu imagino que a primeira canção foi cantada ao redor do fogo, todos juntos se aquecendo do frio e se protegendo contra as feras. Antes da canção, o fogo. Um fogo aceso é um sacramento de comunhão solitária. Solitária porque a chama que crepita no fogão desperta sonhos que são só nossos. Mas os sonhos solitários se tornam comunhão quando se aquece e come.

Nas casas de Minas a cozinha ficava no fim da casa. Ficava no fim não por ser menos importante mas para ser protegida da presença de intrusos. Cozinha era intimidade. E também para ficar mais próxima do outro lugar de sonhos, a horta-jardim. Pois os jardins ficavam atrás. Lá estavam os manacás, o jasmim do imperador, as jabuticabeiras, laranjeiras e hortaliças. Era fácil sair da cozinha para colher xuxús, quiabo, abobrinhas, salsa, cebolinha, tomatinhos vermelhos, hortelã e, nas noites frias, folhas de laranjeira para fazer chá.

Ah! Como a arquitetura seria diferente se os arquitetos conhecessem também os mistérios da alma! Se Niemeyer tivesse feito terapia, Brasília seria outra. Brasília é arquitetura de arquitetos sem alma. Se eu fosse arquiteto minhas casas seriam planejadas em torno da cozinha. Das coisas boas que encontrei nos Estados Unidos nos tempos em que lá vivi estava o jeito de fazer as casas: a sala de estar, a sala de jantar, os livros, a escrivaninha, o aparelho de som, o jardim, todos integrados num enorme espaço integrado na cozinha. Todos podiam participar do ritual de cozinhar, enquanto ouviam música e conversavam. O ato de cozinhar, assim, era parte da convivência de família e amigos, e não apenas o ato de comer. Eu acho que nosso costume de fazer cozinhas isoladas do resto da casa é uma reminiscência dos tempos em que elas eram lugar de cozinheiras negras escravas, enquanto as sinhás e sinhazinhas se dedicavam, em lugares mais limpos, a atividades próprias de dondocas como o ponto de cruz, o frivolité, o crivo, a pintura e a música. Se alguém me dissesse, arquiteto, que o seu desejo era uma cozinha funcional e prática, eu imediatamente compreenderia que nossos sonhos não combinavam, delicadamente me despediria e lhes passaria o cartão de visitas de um arquiteto sem memórias de cozinhas de Minas.

As cozinhas de fogão de lenha não resistiram ao fascínio do progresso. As donas de casa, em Minas, por medo de serem consideradas pobres, dotaram suas casas de modernas cozinhas funcionais, onde o limpíssimo e apagado fogão à gás tomou o lugar do velho fogão de lenha. As cozinhas, agora, são extensões da sala de visitas. Mas isto é só para enganar. A alma delas continua a morar nas cozinhas velhas, agora transferidas para o quintal, onde a vida é como sempre foi. Lá é tão bom, porque é como já foi.

Eu gostaria de ser muitas coisas que não tive tempo e competência para ser. A vida é curta e as artes são muitas. Gostaria de ser pianista, jardineiro, artista de ferro e vidro - talvez monge. E gostaria de ter sido um cozinheiro. Babette. Tita. Meu pai adorava cozinhar. Eu me lembro dele preparando os peixes, cuidadosamente puxando a linha que percorre o corpo dos papa-terras, curimbas, para que não ficassem com gosto de terra. E me lembro do seu rosto iluminado ao trazer para a mesa o peixe assado no forno.

Faz tempo, num espaço meu, eu gostava de reunir casais amigos uma vez por mês para cozinhar. Não os convidava para jantar. Convidava para cozinhar. A festa começava cedo, lá pelas seis da tarde. E todos se punham a trabalhar, descascando cebola, cortando tomates, preparando as carnes. Dizia Guimarães Rosa: "a coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia." Comer é a chegada. Passa rápido. Mas a travessia é longa. Era na travessia que estava o nosso maior prazer. A gente ia cozinhando, bebericando, beliscando petiscos, rindo, conversando. Ao final, lá pelas onze, a gente comia. Naqueles tempos o que já tinha sido voltava a ser. A gente era feliz.

Sinto-me feliz cozinhando. Não sou cozinheiro. Preparo pratos simples. Gosto de inventar. O que mais gosto de fazer são as sopas. Vaca atolada, sopa de fubá, sopa de abóbora com maracujá, sopa de beringela, sopa da mandioquinha com manga, sopa de coentro... Você já ouviu falar em sopa de coentro? É sopa de portugueses pobres, deliciosa, com muito azeite e pão torrado. A sopa desce quente e, chegando no estômago, confirma...A culinária leva a gente bem próximo das feiticeiras. Como a Babette (A festa de Babette) e a Tita (Como água para chocolate)... (Correio Popular, Caderno C, 19/03/2000.)
Autor: Rubem Alves
Fonte: http://www.rubemalves.com.br/cozinha.htm