domingo, 17 de outubro de 2010

As religiões e as políticas, por Ivone Gebara

As religiões e as políticas
Revista digital Tempo e Presença – outubro de 2010)

Em períodos eleitorais, além dos programas dos diferentes candidatos apresentando suas idéias e futuras ações, nosso país se vê às voltas com a problemática das crenças religiosas misturadas às posturas éticas e políticas dos candidatos e dos eleitores. Poucas pessoas fazem uma análise na qual a atenção às propostas políticas dos candidatos seja submetida ao bem comum e às condições reais de possibilidade histórica de suas propostas. Igualmente, poucos conseguem distinguir aquilo que tem a ver com suas escolhas pessoais de vida e as grandes linhas políticas necessárias a um país e, por conseguinte a um Estado multicultural e multireligioso como o nosso. Misturam-se os diferentes planos e predomina uma Babel onde cada um grita mais alto e ninguém se entende.
Escrevo sobre religiões e políticas apoiada não apenas na leitura de algumas publicações de jornais que representam as classes ricas detentoras do capital e da escuta dos discursos de alguns candidatos, mas também a partir de conversas com moradores de alguns bairros populares, todos eleitores.
Sabemos que em geral, para os ricos, as escolhas políticas têm a ver com a manutenção de seus interesses individuais. Para os pobres têm a ver com os benefícios que as políticas atuais lhes proporcionaram. Mas, de ambos os lados, é preciso não esquecer da emoção ou da relação pessoal com o candidato ou com o amigo do candidato ou com o pastor ou o padre ou o patrão que parecem orientar muitas das escolhas. Nesse nível a visão política parece reduzir-se a uma dimensão muito pequena e, muitas vezes, é a partir dela que fazemos julgamentos, escolhemos e tomamos posições algumas vezes acertadas, mas também muitas vezes equivocadas.
Impressionou-me nas últimas eleições de outubro a atuação de alguns grupos religiosos que foram e estão sendo capazes de espalhar confusão, fanatismo e insegurança em muitos eleitores. Aparecendo ao público como conhecedores da vontade de Deus e seus defensores ferrenhos atrevem-se a manipular a razão e a emoção popular em favor de seus próprios candidatos a diferentes cargos políticos. Fazendo apelo à vontade de Deus ou à Bíblia ou aos princípios cristãos de respeito à vida criaram uma espécie de superestrutura acima das decisões que cabem unicamente a cada indivíduo. Reduzem “a vida” a um conceito limitado as suas próprias posições. É como se pretendessem conhecer à vontade de Deus, do mistério que envolve e atravessa nossas vidas e se tornassem os guias de uma multidão de cegos. Aliás, eles adoram que o povo continue cego e dependente para que seu poder continue imperando.
Infelizmente ainda vivemos em estruturas culturais hierárquicas e antidemocráticas que atribuem ao clero das mais diferentes procedências um saber e um poder acima do comum dos mortais. Crêem-se representantes e enviados de Deus para orientar e decidir no lugar do povo. E, às vezes, de forma escandalosa, usam desse poder para manipular as consciências e indiretamente espalhar mentiras e ódio entre as pessoas. É hora de acordarmos para nossa condição comum de mortais! É hora de não só falar em democracia para os outros, mas de vivê-la nas instituições da religião! É hora de sair do obscurantismo e ser capaz de pensar a vida de forma mais abrangente.
O que está em questão para muitos não é a moralidade política em sentido amplo ou a justiça nas instituições sociais e políticas, mas questões que têm a ver com o foro interno das pessoas. Argumentos como: “essa candidata é muito religiosa” ou “essa parece que não crê em Deus” ou essa “é a favor da dignidade da família” ou “essa é a favor das uniões homossexuais e do aborto” ou “esse é um fervoroso cristão” ou “esse é 100% Jesus” parecem ter determinado o comportamento eleitoral de um bom número de pessoas. Digo bem, comportamento eleitoral, visto que a maioria das pessoas de nosso país, e neles sublinho o voto das camadas mais abastadas, está longe de assumir um comportamento político. Comportamento político é aquele a partir do qual estamos sendo continuamente educados a discutir o bem da polis, o bem da cidade, o bem do país, o bem dos mais necessitados, muitas vezes, para além de nossos interesses individuais ou grupais. Há uma confusão bastante grande entre uma dimensão de ética individual e a ética da cidade no sentido amplo das instituições públicas. Por exemplo, posso pessoalmente não ser a favor do casamento homossexual, ou do aborto, ou da liberação das drogas ou de outras tantas coisas que discutimos no dia a dia de nossa vida. Minha postura pode até ser justificada por princípios religiosos, mas não posso legislar a cidade a partir de minhas crenças religiosas cristãs individuais, sobretudo num país multireligioso que se afirma leigo por Constituição.
A cidade ou o país são maiores do que minhas crenças e minhas decisões pessoais, muito embora eu não abra mão delas. Aliás, este é um direito que me assiste, mas esse direito deve ser o direito de todas as pessoas nas suas diferentes situações e pertenças. Posso, por exemplo, por minha crença religiosa achar necessário me privar de carne de porco, mas não posso estabelecer como regra geral que todas as pessoas devam fazer o mesmo. Posso não trabalhar no sábado ou no domingo por convicção religiosa, mas não posso obrigar todas as pessoas que o façam. As leis religiosas não são leis do Estado, mas as Leis do Estado são para todos, visto que tocam a convivência geral de todos os grupos do país.
A cidade ou o país são sempre maiores porque neles se incluem pessoas diversas, ideologias e crenças plurais, assim como instituições de diferentes correntes políticas ou religiosas. Por isso, não posso impor ao todo as referências de minhas crenças privadas por melhores que sejam para mim, para minha família ou para minha comunidade. Não posso usá-las para fazer pressão eleitoral e política. Da mesma forma, o todo não pode impor que eu faça aquilo que violenta minhas convicções. Por exemplo, posso por convicção não querer o casamento homossexual ou a descriminalização e legalização do aborto. Ninguém pode me obrigar a assumi-los como conduta pessoal. Mas igualmente, não posso fazer uma campanha em nome de minha fé para que se aprove uma legislação apenas concorde com minhas convicções religiosas. É fundamental acolher a existência de problemas sociais ou problemas de saúde pública que independem diretamente das crenças religiosas. E diante desses problemas cabe ao Estado legislar em vista do bem da população. As instituições religiosas não podem impedir que o Estado cumpra suas obrigações em relação às pessoas que têm problemas diferentes dos meus. Não podem usar as crenças religiosas como caminhos válidos para todos os cidadãos e cidadãs e manipular as pessoas usando o nome de Deus. Esse é o grande equivoco que se nota em muitos grupos religiosos e particularmente em seus representantes. Com má fé ou ingenuidade doentia confundem o pessoal com o coletivo, misturam o foro interno com a orientação ética coletiva, mesclam sua religião pessoal com os interesses dos cidadãos de todo o país. E mais, muitas vezes colocam as convicções religiosas como formas acríticas e ahistóricas de vida e até impossibilitam qualquer diálogo à luz de uma hermenêutica histórica que leve em conta a complexidade de cada contexto e situação. É como se essas convicções existissem num mundo para além do nosso e que fossem ditadas por seu Deus de forma completamente ahistórica para todos e para sempre.
Viver num país e num Estado democrático e plural significa ter políticas e leis que favoreçam ao conjunto das cidadãs e dos cidadãos. E dentre elas, leis que garantem a convivência do conjunto. Por isso, mais uma vez, posso não aderir a algumas leis por convicções pessoais, mas, não posso negar o direito e o dever do Estado de promulgá-las em vista do bem comum.
Sem dúvida, as distinções são mais fáceis no plano teórico do que na prática cotidiana. Mas, o fato é que não estamos sendo educados através das diferentes instituições que criamos e dos meios de comunicação social a distinguir os diferentes níveis de nossas vivências, de nossas crenças e de nossas ideologias políticas ou religiosas. Reduzimos o mundo à nossa maneira de ver como se fôssemos os donos de uma verdade que deveria ser a mesma para todos. Manipulamos informações, mentimos, excluímos pessoas, desrespeitamos as leis sempre a favor de interesses dos grupos dominantes ou de nosso grupo.
O tempo em que o Cristianismo, através de seu modelo hierárquico imperial se confundia com os impérios desse mundo já faz parte do passado, muito embora ainda muitos busquem a continuidade desse modelo. Cada vez mais as instituições da religião não podem impor-se à consciência dos indivíduos e nem forçar o Estado a legislar a partir de posturas anacrônicas para os dias de hoje. Esta postura não é negação das religiões, mas o reconhecimento de seu novo lugar social num mundo plural.
Nesse sentido é urgente que as diferentes religiões e particularmente igrejas cristãs assumam a responsabilidade social de nosso tempo, ou seja, a responsabilidade de não repetir modelos de ingerência religiosa no Estado ou na vida dos fiéis sob a alegação de que seus funcionários são munidos de um saber acima do comum dos fiéis. Da mesma forma como um Estado democrático não pode interferir nas crenças e nas práticas religiosas de nenhuma instituição enquanto estas não estiverem violando a vida de seus membros, da mesma forma as igrejas ou as instituições religiosas não podem reduzir o Estado à suas próprias convicções.
Nessa linha também os políticos, os candidatos e os chefes de Estado não devem ceder aos pretensos donos da religião motivados pelo medo de perder votos ou perder prestígio político. Devem sim discutir com veemência e reafirmar a divisão e autonomia de poderes presentes num Estado laico. Esta é a responsabilidade dos governantes e dos legisladores. Fugir dela é trair o pluralismo do tecido social e desrespeitar os limites que se impõe a uma convivência social sadia que leva em conta as diferenças e é afirmada por nossa Carta Magna.
Do ponto de vista da tradição cristã não podemos esquecer que Jesus já pressentia essa poderosa tentação clerical no meio de seus discípulos e por isso insistia para que fossem servidores uns dos outros e para que não reproduzissem os mesmos modelos de competição e disputa que se verificam entre os poderosos desse mundo. Não apenas isso, Jesus intuía a importância de deixar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Numa interpretação contemporânea dessa tradição poderíamos dizer que César é o Estado, são os governos que devem governar em vista do bem de todos os cidadãos e cidadãs, e independentemente de suas crenças religiosas. O que é de Deus é nossa intimidade, nossa consciência pessoal, nossas crenças, nossas formas de culto, nossa diversidade respeitada, nossa necessidade de consolo, o cultivo das práticas de amor e ajuda mútua...
Cada um de nós tem de certa forma sua própria divindade e pode se equivocar identificando-a verdade que se quer impor para toda a coletividade. Cada um pode pensar que seu jeito de viver deve ser o jeito de todos. Estamos sempre sujeitos à tentação de Narciso olhando-se nas águas claras e apaixonando-se pelo reflexo de sua beleza. Analogicamente algumas instituições da religião crêem ter o melhor saber sobre os valores humanos e acabam afogando os fiéis nos dogmatismos narcisistas excludentes e destruidores da comum dignidade humana.
Há que vigiar para não cair na tentação da prepotência ou dos que sempre estão prontos a atirar a primeira pedra naquelas e naqueles que vivem de forma diferente da sua.
Políticas e religiões são nossa criação em vista de nosso bem, do bem da coletividade humana e das diversas formas de vida que conosco partilham do mesmo sopro vital. Por isso não podem ser absolutos e nem podem escravizar-nos a elas. O vento da liberdade sopra onde quer e ninguém pode ser seu proprietário exclusivo.

Ivone Gebara
Outubro 2010

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Sobre a profissão de nutricionista

O PROFISSIONAL DE NUTRIÇÃO

Por Patrícia Moreira, professora do Departamento de Nutrição, CCS, UFPB

O nutricionista é um profissional de saúde. Para exercer a profissão, este deve ter diploma expedido por escolas de graduação em Nutrição, oficiais ou reconhecidas, devidamente registradas no órgão competente do Ministério da Educação; deve ainda estar regularmente inscrito no Conselho Regional de Nutricionistas (CRN) da sua respectiva jurisdição (CFN, 2009).

A justificativa social para a formação do nutricionista respalda-se na necessidade do atendimento aos problemas de saúde, alimentação e nutrição humana, por isso o perfil desejado, contempla: nutricionista, com formação generalista, humanista e crítica, capacitado a atuar visando à segurança alimentar e atenção dietética em todas as áreas do conhecimento em que a alimentação e a nutrição se apresentem como aspectos fundamentais para a promoção, manutenção e recuperação da saúde de indivíduos ou grupos populacionais, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida, pautado em princípios éticos, com reflexão sobre a realidade econômica, política, social e cultural (CONSEPE, 2007).

A Resolução CFN nº 380 (CFN, 2005), estabelece as áreas de atuação do nutricionista, que são: Alimentação Coletiva: 1) Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN): Alimentação Escolar e Alimentação do Trabalhador. 2) Nutrição Clínica: hospitais, clínicas em geral, clínicas em hemodiálises, instituições de longa permanência para idosos e spa; ambulatórios; banco de leite humano (BLH); lactários/centrais de terapia nutricional; atendimento domiciliar. 3) Saúde Coletiva: políticas e programas institucionais; atenção básica em saúde; vigilância em saúde. 4) Docência: ensino, pesquisa e extensão (graduação e pós-graduação) e coordenação de cursos. 5) Indústria de Alimentos: desenvolvimento de produtos. 6) Nutrição em Esportes: clubes esportivos; academias e similares. 7) Marketing de Alimentos e Nutrição.

Com isso, os objetivos do Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Federal da Paraíba definidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), são:

* Formar o nutricionista, com referencial teórico, capacidade técnica com percepção crítica da realidade social, econômica, cultural e política, sendo hábil a atuar na área de alimentação e nutrição de forma a promover, preservar e recuperar a saúde de indivíduos e grupos populacionais, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida;
* Formar profissionais que contemplem as necessidades sociais da saúde com ênfase nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde;
* Aplicar conhecimentos sobre a composição, propriedades e transformação dos alimentos e aproveitamento de seus componentes no organismo humano;
* Diagnosticar, intervir e monitorar o estado nutricional de indivíduos e grupos populacionais;
* Atuar na área de nutrição clínica exercendo atividades de intervenção dietoterápica, em caráter preventivo e terapêutico;
* Planejar e gerir atividades em alimentação e nutrição voltadas à melhoria das condições nutricionais de populações;
* Avaliar e intervir no processo sócio-cultural, político e econômico, de modo a influenciar na disponibilidade, acesso e aquisição de alimentos pela população em geral;
* Descrever e intervir no perfil epidemiológico dos agravos à saúde e bem-estar humano relacionados com a nutrição;
* Atuar nas políticas e nos programas de educação e vigilância nutricional, alimentar e sanitária visando à promoção da saúde em âmbito local, regional e/ou nacional;
* Integrar as equipes multiprofissionais destinadas a planejar, coordenar, implantar, executar e avaliar atividades relacionadas com alimentação e nutrição;
* Contribuir na formulação de novos produtos alimentícios a partir de matérias-primas convencionais ou alternativas;
* Planejar e executar ações de promoção e avaliação da qualidade de alimentos em sua área de competência;

* Desenvolver o ensino, a pesquisa e extensão em sua área de atuação;
* Desenvolver atividades de auditoria, assessoria, consultoria e marketing na sua área de atuação;
* Direcionar a prática profissional ao interesse social, à cidadania e à ética (CONSEPE, 2007).

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Depressão versus ganho de peso

Estudo associa depressão ao ganho de peso mais rápido

A depressão pode trazer mais do que apenas a angústia mental, tendo influência no desenvolvimento da obesidade, principalmente com o acúmulo de gordura na região abdominal, segundo estudo publicado no American Journal of Public Health. Por isso, de acordo com pesquisadores da Universidade do Alabama, o tratamento da depressão pode ajudar a controlar a obesidade. Avaliando dados de mais de 4 mil adultos, colhidos em cinco ocasiões - início do estudo, e cinco, dez, 15 e 20 anos depois -, os especialistas observaram que aqueles que relatavam altos níveis de depressão tinham um aumento mais rápido da obesidade abdominal e da obesidade total (IMC), comparados aos participantes com menos sintomas depressivos. Além disso, já no quinto ano de estudo, a circunferência da cintura dos deprimidos era muito maior do que dos outros participantes. Entretanto, de acordo com os autores, o excesso de peso no início da pesquisa pareceu não alterar os riscos de depressão. “Descobrimos que todos ganharam peso no período de 15 anos que examinamos. No entanto, as pessoas que iniciaram relatando altos níveis de depressão aumentaram em obesidade abdominal e índice de massa corporal em uma taxa mais rápida do que aqueles que relatavam menos sintomas de depressão no quinto ano”, concluíram os pesquisadores.